«Não gosto de viajar. Mas sou
inspector das escolas de instrução primária e tenho obrigação de correr
constantemente todo o País. Ando no caminho da bela aventura, da
sensação nova e feliz, como um cavaleiro andante. Na verdade lembro-me
de alguns momentos agradáveis, de que tenho saudades, e espero encontrar
outros que me deixem novas saudades. É uma instabilidade de eterna
juventude, com perspectivas e horizontes sempre novos. Mas não gosto de viajar.
Talvez só por ser uma obrigação e as obrigações não darem prazer.
Entusiasmo-me com a beleza das paisagens, que valem como pessoas, e tive
já uma grande curiosidade pelos tipos rácicos, pelos costumes, e pela
diferença de mentalidade do povo de região para região. Num país tão
pequeno, é estranhável tal diversidade. Porém não sou etnógrafo, nem
folclorista, nem estudioso de nenhum desses aspectos e logo me
desinteresso. Seja pelo que for, não gosto de viajar. Já pensei
em pedir a demissão. Mas é difícil arranjar outro emprego equivalente a
este nos vencimentos. Ganho dois mil escudos e tenho passe nos combóios,
além das ajudas de custo. Como vivo sozinho, é suficiente para as
minhas necessidades. Fazer algumas economias e, durante o mês de licença
que o Ministério me dá todos os anos, poderia ir ao estrangeiro. Mas
não vou. Não posso. Durante esse mês quero estar quieto, parado, preciso
de estar o mais parado possível. Acordar todas essas trinta manhãs no
meu quarto! Ver durante trinta dias seguidos a mesma rua! Ir ao mesmo café, encontrar as mesmas pessoas!... Se soubessem como é bom! Como dá uma calma interior e como as ideias adquirem continuidade e nitidez! Para pensar bem é preciso estar quieto. Talvez depois também cansasse, mas a natureza exige certa monotonia.
As árvores não podem mexer-se. E os animais só por necessidade física,
de alimento ou de clima, devem sair da sua região. Acerca disto tenho
ideias claras e uma experiência definitiva. É até, talvez, a única coisa
sobre que tenho ideias firmes e uma experiência suficiente. Mas não vou
filosofar; vou contar a minha viagem à serra do Barroso.»
Branquinho da Fonseca, "O Barão"
Publicado por A bem da nação.
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